3.09.2008

Dançar

Dançar, suprema linguagem do corpo e da alma. A mente concentrada no movimento transcendental da arte que encanta, enfeitiça, enleva e nos faz imaginar um mundo mais leve, mais mágico, mais surpreendente.
Dançar todas as danças, de todas as formas, de todas as músicas.
Dançar é compartir com o parceiro as dificuldades dos primeiros passos, das quedas freqüentes e pés e pernas doloridos.
Dançar é celebrar com o par, a perfeição dos movimentos, a harmonia dos pensamentos, a capacidade de se reerguer.
Dançar na chuva, dançar na areia, dançar na pista, dançar na vida.
Dançar é dar forma à melodia, misturar corpo e composição, numa explosão sensual.
Dançar é transformar sons em energia, é revolver tristezas e alegrias, num movimento único de prazer e beleza.
Dançar é dizer sim à vida, ao amor, à esperança.
Dançar é marcar o seu espaço e convidar o outro para estar nele e partilhar com você toda a alegria de dançar a arte de viver.

Luiz Alberto De Vasconcellos - 08.03.2008

3.01.2008

A imutabilidade do tempo



Quando era apenas uma criança, percebia nas coisas pequenas as mais grandiosas dimensões. Um pequeno edifício era da altura suficiente para que com os meus pequeninos dedos pudesse tocar a base do céu. A cova que abrigou em algum momento uma árvore transformava-se num enorme campo de batalha para os meus soldadinhos de brinquedo, os restos da poda das árvores da minha rua eram densos portais de uma floresta negra e repleta de animais desconhecidos e terríveis assombrações, o muro da pequena escola vizinha a minha casa era a muralha de um grande castelo onde uma vez transposta no início das tardes tranqüilas dos sábados proporcionava longos minutos curtos de voltas velozes parecendo intermináveis no único brinquedo instalado no minúsculo pátio e que quase sempre acabavam por fazer-me devolver a comida ingerida a muito custo no almoço recém-findo.
Quando olho para trás utilizando uma memória já um tanto enevoada entremeada por rasgos de nitidez imediata, tão viva ao ponto de sentir-me aquela criança, tento numa inutilidade atroz resgatar a minha presença física num passado ingênuo dos dias em que tudo era magicamente grandioso, eloqüente, justo e possível. O tempo cujo futuro mostrava-se tão igual quanto à visão de tudo aquilo que tinha. Um futuro onde somente eu envelheceria até alcançar a idade, o tamanho e a coragem de meus pais.
O futuro acabou ficando no passado, num lapso disforme que se confunde no tempo cuja passagem inexorável não permite esperanças de interromper, ainda que por somente alguns segundos, o seu caminho. Grandes rios podem ser represados, mares afastados, até órbitas planetárias, alteradas, entretanto, o tempo, fruto da angústia humana pelo controle, tornou-se uma entidade superior e imutável, o verdadeiro senhor de nossas vidas, onde construímos, ainda que involuntariamente, o passado, a parte mais palpável de todo o tempo de nossas vidas. O futuro sempre acaba ficando no passado. O presente perde-se na preocupação com o futuro e o medo do passado. Ao longo dos séculos, a humanidade busca o futuro, desconhecendo que caminha, na verdade, ao encontro de seu passado. Nunca ouvi a expressão, a não ser em termos mercadológicos, publicitários, “chegamos ao futuro”, até porque não é possível chegar ao futuro, viver nesse futuro sendo parte real desse futuro. O futuro é apenas uma manifestação de nossa expectativa, uma forma ilusória de escamotear o passado que sustenta e estimula o ser humano a mantê-lo vivo e presente no futuro de nossas esperanças.

Luiz Alberto de Vasconcellos 21.01.2007 – revisto em 01.03.2008