3.01.2008

A imutabilidade do tempo



Quando era apenas uma criança, percebia nas coisas pequenas as mais grandiosas dimensões. Um pequeno edifício era da altura suficiente para que com os meus pequeninos dedos pudesse tocar a base do céu. A cova que abrigou em algum momento uma árvore transformava-se num enorme campo de batalha para os meus soldadinhos de brinquedo, os restos da poda das árvores da minha rua eram densos portais de uma floresta negra e repleta de animais desconhecidos e terríveis assombrações, o muro da pequena escola vizinha a minha casa era a muralha de um grande castelo onde uma vez transposta no início das tardes tranqüilas dos sábados proporcionava longos minutos curtos de voltas velozes parecendo intermináveis no único brinquedo instalado no minúsculo pátio e que quase sempre acabavam por fazer-me devolver a comida ingerida a muito custo no almoço recém-findo.
Quando olho para trás utilizando uma memória já um tanto enevoada entremeada por rasgos de nitidez imediata, tão viva ao ponto de sentir-me aquela criança, tento numa inutilidade atroz resgatar a minha presença física num passado ingênuo dos dias em que tudo era magicamente grandioso, eloqüente, justo e possível. O tempo cujo futuro mostrava-se tão igual quanto à visão de tudo aquilo que tinha. Um futuro onde somente eu envelheceria até alcançar a idade, o tamanho e a coragem de meus pais.
O futuro acabou ficando no passado, num lapso disforme que se confunde no tempo cuja passagem inexorável não permite esperanças de interromper, ainda que por somente alguns segundos, o seu caminho. Grandes rios podem ser represados, mares afastados, até órbitas planetárias, alteradas, entretanto, o tempo, fruto da angústia humana pelo controle, tornou-se uma entidade superior e imutável, o verdadeiro senhor de nossas vidas, onde construímos, ainda que involuntariamente, o passado, a parte mais palpável de todo o tempo de nossas vidas. O futuro sempre acaba ficando no passado. O presente perde-se na preocupação com o futuro e o medo do passado. Ao longo dos séculos, a humanidade busca o futuro, desconhecendo que caminha, na verdade, ao encontro de seu passado. Nunca ouvi a expressão, a não ser em termos mercadológicos, publicitários, “chegamos ao futuro”, até porque não é possível chegar ao futuro, viver nesse futuro sendo parte real desse futuro. O futuro é apenas uma manifestação de nossa expectativa, uma forma ilusória de escamotear o passado que sustenta e estimula o ser humano a mantê-lo vivo e presente no futuro de nossas esperanças.

Luiz Alberto de Vasconcellos 21.01.2007 – revisto em 01.03.2008

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente texto! Pena que, a exemplo de outros artigos, nao obtive a resposta que venho procurando há muito: E o que fazemos com o Presente?
Pela sua interpretacao, com a qual eu provalvelmente esteja de acordo, o passado nos sustenta, mas nao o desejamos de volta. E o futuro é, e sempre será, apenas uma manifestacao da minha expectativa no presente vivido. Pois, entao, o que devo fazer com o presente? Sinto-me confuso à medida em que tento conciliar os prazeres que Deus me permite no atual momento de minha vida às responsabilidades necessarias para construir um futuro que, como disse, é apenas uma manifestacao da minha expectativa muito provavelmente utópica. E se eu fizer do meu presente algo tao bom e feliz, sob o meu ponto de vista, que, no dito futuro, eu deseje sempre poder voltar atrás? Ou, melhor, qual é a fórmula para manter um presente feliz por toda a eternidade enquanto homens? É possível a felicidade transpor, como se blindada, o terrível Tempo? E como fazer do tempo o nosso amigo, utilizando-o como uma alavanca para a nossa felicidade? Tendo o Tempo como um amigo, entendo que traz como ele suas peculiaridades, como Defeitos e Qualidades. Os defeitos, consigo claramente identifcar, mas as qualidades, ainda não consegui interpretar como compensadoras para justificar essa nossa amizade ou, então, ainda não as exerguei em sua totalidade...