1.22.2008

Carrilhão



Sempre pensei em ter um relógio daqueles grandes que ficam ali em pé num canto da sala, discreto, elegante e imponente. Não sei bem o por quê, mas tenho por ele, uma grande atração. Diferentemente de qualquer outro móvel ou adorno de uma sala, ele é sempre percebido. Talvez pelo fato de que este tipo de relógio possa significar não uma simples contagem de tempo, mas, essencialmente, a sua imponência. Posso sentir em cada um desses grandes relógios antigos o pensamento criativo de seu relojoeiro no momento em que estava sendo concebido, não apenas fabricado ou produzido, mas um ente pensado com especial carinho e recept[áculo de todos os desejos de realização de seu criador. Peça por peça, o artista, pacientemente, deixa-lhe um tanto de seus anseios e sonhos, convicto de estar burilando a chave do tempo com os seus segredos.

Para mim, todo relógio carrega segredos de momentos quase sempre ansiados: o segredo do momento de quando um grande amor virá; o segredo do momento da chegada de uma grata surpresa; o segredo do encontro com uma frustração; da vinda de alguém, da partida desse alguém e por aí afora.
Não é raro, um relógio abdicar de suas voltas rotineiras e intermináveis juntamente com a vida de seu proprietário para dar às demais pessoas a oportunidade da imaginação dos últimos momentos daquela que partiu; se ela pôde sentir a chegada de seu desenlace, que medos, pavores ou resignações ela teve que conviver em seus últimos segundos. Pois a vida é feita de segundos. A eternidade é toda ela constituída por segundos. Se somos feitos de pó, a nossa consistência, pacientemente, é feita de segundos. Um relógio conta impassivelmente todos os nossos segundos, deixando-nos a tarefa de registrá-los como momentos.

Um grande relógio na sala é também uma ótima companhia. Na maior parte do tempo calado, introspectivo, deixando para em alguns momentos estabelecer a razão de sua natureza marcando sonoramente as horas cheias como se procurasse nos lembrar da inexorabilidade do tempo e de tudo o que ele carrega. Atravessando as horas longas de uma madrugada insone, a solene companhia está ali cadenciando a vida que emerge de nossos pensamentos mais audíveis proporcionados pelo silêncio do momento. No desenrolar do dia agitado, ele está ali para fazer-nos perceber que a vida deve ter também os seus momentos de reflexão, a necessária parada aparente para marcar as divisões das nossas próprias horas.

O grande relógio às vezes, parece um ente isolado, autista, imerso em suas próprias tarefas de marcar o tempo e de vez em quando chamar a atenção para si, fazendo soar altivas badaladas, assustando-nos ou interrompendo-nos a concentração, como se quisesse mostrar-nos não as horas completas mas a efemeridade de tudo o que fazemos, o que somos, o que pensamos.

Muitos de nós gostaríamos de possuir uma máquina do tempo para que pudéssemos rever o passado na tentativa de corrigir alguns pontos, tatear o futuro, com o fim de se precaver de possíveis situações ruins. Mas se prestarmos atenção, o grande relógio é a verdadeira máquina do tempo, que nos força a atravessar a ponte de um presente que não existe entre um passado despercebido e um futuro ansiado e que nunca chegará, porque somos todos frutos de um momento, contemporâneos de uma rápida passagem, preocupados, infelizmente, com o que fizemos e temerosos do que devemos esperar realizar, sem contudo atentarmo-nos para a importância do momento bem vivido, seja ele sofrido ou alegre, mas bem vivido, porque a única coisa que, de fato, possuímos, é a oportunidade de viver bem o momento em que estamos, igual a um relógio que marca com precisão própria o segundo que acontece, não o que passa e nem o que virá, mas o que acontece. É isto que lhe faz não arrepender-se do segundo passado e nem temer pelo que virá, pois o que o seu compromisso é marcar bem o segundo que vive, não lamentar-se pelo que viveu ou desesperar-se pelo que ainda, possivelmente, viverá.

Assim deveria ser a vida nossa de cada dia, como um grande relógio, seja num canto esquecido ou num local mais nobre de sua sala, marcando cada segundo com a precisão devida, sereno, contemplativo e pacífico. Entendi que um relógio não acumula horas, apenas as vive, através de cada segundo. A vida não precisa ser uma acúmulo de lembranças passadas ou expectativas futuras, pois ela já teve e ainda terá a graça de vivê-las, se bem ou mal, dependerá apenas da forma como vivermos o segundo que nos é dado viver.


Luiz Alberto De Vasconcellos - 19.10.2007

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